Quando pensamos em coletivos de artista, o universo de referências na história da arte é praticamente infinito. O termo como entendemos hoje está mais próximo da arte contemporânea, porém sempre existiram grupos de artista reunidos com um objetivo comum, que, a partir de ideias individuais, ao combiná-las, desenvolvem um contexto maior, fortalecendo e aumentando a chance de sobrevivência até mesmo de novos paradigmas. Uma destas referência que surge sempre com muita força na minha mente é a chamada APTART, que teve origem nas Exposições de Apartamento que ocorriam na URSS dos anos 1960 até início dos anos 80. Tanto as exposições realizadas nos apartamentos dos artistas como posteriormente as ações APTART em espaços abertos como matas e zonas rurais, possuíam um caráter subversivo e eram realizados por aqueles que se opunham e, bem por isso, se encontravam excluídos do sistema oficial de arte.
Em tempos de opiniões simplistas como vivemos hoje, é bem difícil trazer este exemplo, pois eram grupos que refletiam de forma complexa sua relação com o tempo em que viviam e não faltará quem reduza o movimento à ações contra o regime político da União Soviética.
As ações APTART eram definidas como “anti-shows” no sentido de serem anticomercial, contra as superficialidades e o espetáculo que a palavra show pode significar. Eram ações contra o sistema oficial da arte que adotava o realismo socialista como única forma de expressão. As exposições de apartamento não tinham o objetivo de exibição de trabalhos, mas sim apresentar conceitos a partir de produções artísticas. Colocavam em discussão o sentido de coletividade, fundamental ao socialismo, uma vez que as exposições eram organizadas coletivamente, mas, devido às circunstâncias, apresentadas para um círculo restrito de pessoas.
Estes coletivos cumpriam seu papel crítico e de reflexão. Não é porque tinham interesses básicos pessoais garantidos como educação gratuita, aquecimento, férias pagas, empregos como professores, ilustradores ou afins e quantidade significativa de tempo livre para seu trabalho criativo, que deixaram de questionar o autoritarismo do Estado e falta de liberdade que significava eleger uma expressão como arte oficial. No texto de introdução ao livro Anti-show APTART, David Morris comenta: “ As práticas em torno da APTART estavam tão distantes do sistema de arte “oficial” de Moscou quanto das emanações “oficiais” do neoliberalismo da era Reagan – “o novo espírito na pintura”, Julian Schnabel e o resto dos produtos de arte ascendentes e mais valorizados.” Eram a favor da chamada “baixa cultura” anárquica e da estética do lixo em oposição à “alta cultura” elitista do ocidente.
Natalia Abalakova e Anatoly Zhigalov definiram assim o primeiro anti-show APTART em 1980:
Este evento não é uma exposição, e certamente não é uma exibição privada. Este é um apartamento de artistas, onde vários artistas se reuniram para fazer um trabalho colaborativo. E aqueles que se reuniram não são de forma alguma um grupo unificado. São demasiado individualistas. Trata-se, antes, de uma direção ou de um movimento, onde o único fator comum é uma certa inclinação, uma inclinação que distingue esses artistas dos artistas dos anos 70, que permaneceram dentro dos limites da arte tradicional. Os artistas aqui reunidos destroem as fronteiras entre as noções comuns de arte e realidade, entre o artista e o espectador. Eles abordam até mesmo o “produto de arte” de uma maneira completamente nova. Trabalhando na hipotética fronteira entre arte e vida, eles exploram o problema dessa “fronteira”, explorando a própria essência da arte. Eles estão interessados no mecanismo da arte, sua função na vida, na sociedade e até mesmo na própria arte; sua capacidade de comunicar, de ensinar, de engajar; seus aspectos sociais, etc. Essas perguntas são direcionadas ao próprio artista. Destronam o mito do artista como um demiurgo, um gênio solitário enigmático. Todos os modelos e conceitos são reavaliados. Mas isso não é análise no sentido usual. Isso é principalmente ação, ou realização criativa.
AQUI! ARTES VISUAIS
Em São Leopoldo um novo coletivo está se formando e a primeira intervenção na cidade foi a intitulada Aqui! Artes Visuais, uma ação urbana envolvendo uma série de vídeos que serão apresentados periodicamente e em diferentes locais. Cada vídeo é dividido em dois momentos sendo o primeiro uma panorâmica dos artistas e seus trabalhos e o segundo apresentando de forma mais alongada a produção de um dos artistas do grupo.
Uma das motivações para realizar essa ação urbana é a de apresentar à comunidade os artistas locais e sua produção. A cidade possui um espaço expositivo oficial que é a Galeria Liana Brandão que foi um primeiro passo muito importante na direção desta aproximação entre artes visuais e comunidade, além de uma justa homenagem a esta grande artista. Porém ele não é um espaço devidamente adequado, que responda em termos museológicos às necessidades expositivas da produção das artes visuais em São Leopoldo. Levar para as ruas as imagens dos artistas é um alerta para essa demanda. Além disso essas imagens projetadas na forma de uma ação urbana provocam um atravessamento na rotina de quem se desloca pela cidade. As diferentes poéticas, constituídas por cores, formas e sentidos múltiplos e o estranhamento de ver essas imagens em lugar inesperado, tem o potencial de interromper o fluxo de pensamento rotineiro e novas possibilidades se abrem levando à diferentes reflexões, indagações diversas e, acima de tudo, fazendo pensar.
A primeira intervenção aconteceu dia 8 de maio, dia do artista visual e atendeu o calendário cultural organizado pela SECULT. O local foi a antiga sede da UNISINOS (hoje Centro de Cidadania e Ação Social), na esquina da Rua Brasil com Rua Bento Gonçalves. Neste vídeo além do panorama dos artistas e suas obras o trabalho de Sergio Rodriguez foi abordado de forma mais prolongada.
Rodriguez realizou sua primeira exposição individual em 1996. Publicou em parceria com o MIS/SP a HQ experimental Laboratório Monks 96p. Integrante e membro fundador do coletivo de arte e design Máfia Líquida. Recebeu o Prêmio de Incentivo a Criatividade no XIV Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre, em 2000 e em 2022, na sua 24ª edição, foi artista selecionado. Possui obras em acervo do MARGS e MACRS.
A iniciativa tem o apoio do Fórum de Artes Visuais de São Leopoldo.
Artistas participantes do Primeiro Vídeo:
Andrea Hilgert / Cacau Weimer / Emerson Machado / Estela Seifert / Helena Rossi Tavares / Jader Santini / Klau Brentano / Lurdi Blauth / Maristela Schmidt / Martina Berger / Rogério Severo / Rosana Almendares / Rosana Krug / Sergio Rodriguez / Suzane Wonghon
Fonte: https://www.afterall.org/article/introduction-anti-shows