Na coluna passada comentamos sobre a obra de George Gross intitulada A Bestialidade Avança, criada em 1933 quando Hitler tomava o poder na Alemanha. O texto finalizava dizendo que quando um governo fascista cai o fascismo se recolhe, mas permanece latente na sociedade.  No Brasil, após ter sido derrotado nas eleições para presidência da república, o fascismo, com toda sua bestialidade, nos proporcionou o triste e bizarro espetáculo do dia 8 de janeiro e insiste ainda em não se recolher. Permanece à espreita e sem a menor vergonha de se apresentar como tal.

Nos últimos quatro anos a bestialidade esteve legitimada pela voz e atos do seu representante maior, cuja constante incitação à violência culminou na destruição dos prédios dos três poderes da nossa república,  no fatídico 8 de janeiro de 2023. Felizmente apenas os prédios sucumbiram. As instituições, ao contrário, saíram fortalecidas do episódio, mostrando a todos que nossa democracia é frágil, mas ainda resistente. Porém não foi surpresa o que ocorreu, não só pelos atos terem seguido à risca o roteiro das investidas da extrema direita nos EUA com a derrota de Donald Tramp, mas também por repetirem os horrores apontados por Gross no século passado e tratados na coluna anterior. A bestialidade brasileira seguiu o mesmo caminho do nazifascismo dos anos 30 e 40, em especial na destruição dos bens culturais com a diferença de que naquela ocasião existia uma ideia de alta cultura a ser preservada, mesmo que uma ideia distorcida, mas existia. Hoje no Brasil a ideia que parece mover os extremistas é a de destruição de tudo. “Acabar com tudo isso que está aí” é o lema.

A aquarela de George Gross de 1933 e a tela de Di Cavalcanti “esfaqueada” em 2023 nos dizem muito. Uma é o alerta e a outra a triste constatação de que quase 100 anos depois nada mudou.

 

Não aprendemos nada.

Consumir e acumular. Se deixar seduzir por lucros imediatos mesmo que isso signifique a destruição da natureza, dos indígenas ou que se tenha de ingerir alimentos envenenados. Aceitar que para alcançar as metas empresariais explorar pessoas e retirar seus direitos trabalhistas é justificável. Privilegiar um modo de vida rentista, dinheiro gerando dinheiro e não empregos, defendendo que verbas públicas direcionadas a qualquer projeto relacionado a uma ideia de bem estar social devam ser cortadas. Criminalizar a política e acreditar que roubo de grandes empresários não é corrupção e sim “inconsistências contábeis”. Aceitar uma educação fundamentalmente profissionalizante em detrimento de uma humanista geradora de cidadãos críticos, capazes de perceber que um regime autoritário jamais estará defendendo liberdade ou democracia. Atacar a cultura porque ela questiona, incomoda.

 

O que está em jogo é: QUE MUNDO NÓS QUEREMOS 

Tela “As Mulatas” de Di Cavalcanti, avaliada em 1,4 milhões de euros.