A Europa em decorrência principalmente da expansão colonialista que vinha desde o século XVI, acabou ocupando no século XIX o posto de centro do mundo, tanto econômico como de produção de pensamento. A partir desta centralidade cria uma concepção de desenvolvimento tendo a si mesma como modelo, como centro do universo, da própria razão, da verdadeira humanidade. O mundo é visto a partir de si e em relação a si e o outro, aquele que não se encaixa na sua imagem é considerado um objeto ou algo ameaçador que deve ser combatido e pode ser explorado.

A filósofa Suze Piza, em uma de suas aulas, aborda o tema da Crítica da Razão Negra concebida pelo filósofo Achille Mbembe, onde o autor vai buscar a fonte do pensamento racista, o saber e o poder que estão envolvidos e a partir daí estabelecer seus limites.

Mbembe nasceu perto de Otélé nos Camarões Franceses em 1957. Obteve em 1989 seu Ph.D. em história na Universidade de Sorbonne em Paris, na França. Posteriormente um D.E.A. em ciência política no Instituto de Estudos Políticos na mesma cidade. Com grande atuação em diferentes universidades e na produção de pensamento, rejeita o termo que lhe é concebido pelos seus pares de pós-colonial porque vê seu projeto como um trabalho tanto de aceitação quanto de transcendência da diferença, em vez de um retorno para uma terra natal original, marginal e não-metropolitana. Entre suas publicações estão Necropolítica, A crítica da Razão Negra, Sair da Grande Noite, De La Postcolonie e Políticas da Inimizade.

O racismo implica numa violência projetada contra alguém, tem a ver com a aniquilação de um outro específico. A violência racial opera no nível imaginário e no simbólico constituído de uma série de imagens, crenças, ficções e delírios, que muitas vezes a pessoa que opera com esses elementos nem sabe de onde eles vêm já que é um imaginário construído há muitas gerações e repetido como um hábito. Elas sentem medo de algo e não conseguem dizer especificamente medo do quê. Esse imaginário de medo e repulsa sustenta todo o tipo de violência racista que mata todos os dias, que persegue, que expulsa pessoas dos postos de representação e poder.

A Razão Negra não é tratada por Achille Mbembe como uma faculdade de conhecimento e sim como um conjunto de vozes, enunciados, discursos, saberes, comentários e disparates que o homem branco colonizador utilizou para criar uma imagem sobre as pessoas africanas. São discursos do homem branco sobre o africano não baseado em conhecimento, mas em reconhecimento ou na falta dele. Enunciados do homem branco que tem a si mesmo como modelo de superioridade e ao não reconhecer no outro a imagem de si, despreza esse outro, justificando a partir daí a colonização, a exploração e a escravidão.

 

A Crítica da Razão Negra vai buscar a fonte do pensamento racista. Quem produz essa razão negra? Quem sustenta essa razão ao ponto do racista se achar superior a uma pessoa negra? Como o conceito de raça vai justificar que determinadas pessoas podem virar coisas? Por que determinadas pessoas podem ser aniquiladas? E como essa razão negra vai interferir na autopercepção do negro.

 

Mbembe sustenta que a Europa é a produtora desta razão, uma vez que ela historicamente realizou os processos de colonização. Colonizou a África transformando seres humanos em mercadorias, precisando afim de justificar tais atos, criar uma série de teorias de superioridade de si mesma numa lógica limitada de autocontemplação. A imagem do negro e da negra se dá num contexto limitado de não reconhecimento de si mesmo no outro, criado a partir do não entendimento do outro, repleto de ficção, de imaginário pervertido e mágico. Já o negro vai se ver na diferença, como se ele fosse um não, vivendo um duplo do que ele é e o que dizem que ele é.

 

Suze Piza conclui dizendo que Mbembe ao fazer a Crítica da Razão Negra está fazendo uma crítica ao discurso do racismo. Está propondo novos discursos, novos referencias, apostando na construção de um novo arquivo, buscando superar esse projeto euro-americano de domínio do mundo e a partir do entendimento desses processos históricos, poder combater os distintos modos de submissão do outro.