O documentário Nine from Little Rock fala de jovens abrindo corajosamente caminhos num ambiente extremamente racista no Arkansas dos anos cinquenta. Aqui no Brasil, no estado do Paraná, Renato Freitas diz: ser vereador é abrir veredas, abrir caminhos. Nós [vereadores negros] abrimos caminhos inaugurais e isso incomoda muita gente.

 

Nine Little Rock refere-se à história de nove alunos afro-americanos que em 1957 foram matriculados na Little Rock Central High School, escola racialmente segregada no estado do Arkansas. O fato gerou a Crise de Little Rock causada pelos atos do Governador Orval Faubus e por vários grupos segregacionistas.

 

Nos EUA até 1954 as leis de segregação em alguns dos seus estados, proibiam que estudantes negros frequentassem as mesmas escolas de estudantes brancos. Em 1954 o Supremo Tribunal dos Estados Unidos emitiu uma decisão que tornava inconstitucional a segregação em todo o país e a partir daí se inicia um longo processo afim de dessegregar as instituições de ensino.

Em Little Rock, Arkansas , o conselho escolar concordou em cumprir a decisão do Tribunal Superior mesmo tendo o governador do estado, posição contrária à dessegregação.  Virgil Blossom , Superintendente das Escolas, apresentou um plano de integração gradual ao conselho escolar em 24 de maio de 1955, que foi aprovado por unanimidade. O plano seria implementado durante o outono do ano letivo de 1957, que começaria no mês de setembro. Neste ano a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) selecionou 9 alunos com base nos critérios de notas e frequência excelentes para ingressarem na Little Rock School naquele setembro.

 

Grupos segregacionistas ameaçaram realizar protestos impedindo o acesso dos novos alunos. A pedido da escola estes deveriam ir desacompanhado de seus pais afim de não incitar ainda mais a multidão e arranjos foram feitos para que se encontrassem fora da escola e ingressassem acompanhados por um advogado. A família de Elizabeth Eckford, uma entre os nove, não tinha telefone e não ficou sabendo dos arranjos. Ela desceu então, sozinha do ônibus e pensou que estaria protegida se ficasse próxima aos soldados ali presentes. O que ela não sabia é que o governador Orval Faubus, que além de ser contrário a dessegregação dependia dos grupos segregacionistas para reeleição, convocou a Guarda Nacional do Arkansas para, afim de “preservar a paz”, impedir a entrada dos alunos negros.

 

Elizabeth foi expulsa pelos soldados e teve que voltar para a multidão enfurecida. Diz seu relato: Eles se aproximaram cada vez mais. … Alguém começou a gritar. … Tentei ver um rosto amigável em algum lugar da multidão – alguém que talvez pudesse ajudar. Olhei para o rosto de uma velha e parecia um rosto gentil, mas quando olhei para ela novamente, ela cuspiu em mim.

Elizabeth é conduzida pelo grupo até uma arvore numa alusão a linchamento. Ela senta em um banco. Durante o que pareceu uma eternidade uma mulher branca, chamada Grace, se aproxima, fala com ela que lentamente se levanta. Grace acompanha Elizabeth até um ponto de ônibus se livrando da multidão.

O Governador continuou a lutar contra as autoridades federais até que algumas semanas depois, em 24 de setembro, o presidente Eisenhower federalizou o controle da Guarda Nacional do Arkansas e mobilizou um grande contingente para proteção dos alunos o que garantiu seu ingresso na escola, mas não impediu os ataques por parte dos alunos brancos por todo o período letivo.

Voltando para nossa realidade o que vemos são vereadores e vereadoras, muitos deles os primeiros negros a ocuparem aquelas cadeiras, ameaçados de morte em diversas cidades brasileiras. São hostilizados não só pela sua fala, mas também pela forma dos protestos antirracistas. Condenam a forma de uma manifestação, como diz Renato Freitas, porque não têm condições de condenar o conteúdo. Ainda segundo Renato: quem pode chancelar e conferir legitimidade a forma como lutamos contra o racismo são as pessoas negras, principalmente aquelas que deram a vida pela causa e o termômetro de urgência da nossa luta somos nós mesmos, porque só nós sabemos a gravidade da nossa luta nesse país.