O texto que Mário Pedrosa escreve a respeito da exposição de Käthe Kollwitt se dá no contexto do início da gestão Vargas, da criação da Ação Integralista Brasileira, das reverberações da revolução soviética e no mesmo ano em que o Reichstag alemão aprovou o ato que autorizava a transmissão das suas funções legislativas para o poder executivo, representado por Adolf Hitler. Estamos falando do ano de 1933 e de uma década em que uma leva de artistas brasileiros passaram a trazer em suas criações uma preocupação com o social, a exemplo de Lívio Abramo ou a fase social de Tarcila do Amaral. Neste momento as questões estéticas e culturais da Semana de Arte Moderna de 1922 passaram a ser insuficientes. Dirá Mário Pedrosa posteriormente em relação a esta década: “A polêmica não era mais artística, mas declaradamente política”. Ativista, político e crítico de arte, Pedrosa nos mostrou que a crítica e a arte politicamente consequentes, não podem furtar-se à defesa da democracia.

A formação de Mário Pedrosa foi extensa e variada começando no Brasil com curso de direito (RJ), passando por filosofia, sociologia, economia e estética na Universidade de Berlim. Retorna ao Brasil em 1929 e é preso em 1932 por sua atuação política junto ao movimento comunista. Em 1933 realiza, no Clube dos Artistas Modernos – CAM, a conferência “As Tendências Sociais da Arte de Käthe Kollwitz”, sobre o trabalho da gravurista alemã cujo texto é considerado seu lançamento como crítico de arte. O CAM, cujos membros vislumbravam na arte um dos alicerces de transformação social, teve curta duração sendo fechado pela polícia sob o pretexto de subversividade.

Com a instauração do Estado Novo em 1937, Pedrosa é exilado em Paris transferindo-se posteriormente para Nova York. Trabalha no MOMA e colabora em revistas de cultura, política e arte. Retorna clandestinamente ao Brasil em 1940 e é preso e deportado para os Estados Unidos. Dois anos depois, por ocasião da inauguração dos painéis de Candido Portinari  na Biblioteca do Congresso em Washington D.C., publica um estudo sobre o pintor brasileiro. Com o término da Segunda Guerra retorna ao Brasil e luta pelo fim da ditadura de Getúlio Vargas.

Neste ano,  1945,  funda e dirige o semanário Vanguarda Socialista, no Rio de Janeiro e incorpora-se ao Partido Socialista Brasileiro em 1947. Transcorre um período de grande produção de textos para jornais e revistas. Torna-se professor de estética e história, membro fundador da Associação Internacional de Críticos de Arte – Aica, dirige o MAM em São Paulo e assume o cargo de Secretário de Cultura no Governo Jânio Quadros. Até chegar a ditadura militar de 1964 quando torna-se refugiado político no Chile de Salvador Allende onde dirige o Museu de la Solidariedad. Retornando ao Brasil continua com intensa atividade cultural. Como um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores – PT, é o primeiro a assinar seu manifesto de criação, no Colégio Sion, em São Paulo, em 1980.

Com esta vasta bagagem de conhecimento e experiência é que Pedrosa elabora seu pensamento como crítico mantendo-se sempre fiel a condição de liberdade da arte, procurando entendê-la no seu tempo, mas também intervindo no seu processo de produção. Assim foi na defesa da arte abstrata, na participação do movimento neoconcreto na década de 1950 e novo realismo da década de 60.  Nas correntes construtivistas vislumbrou o potencial de transformação intelectual e prática da sociedade, através da superação da recepção puramente contemplativa da arte, por parte do observador, substituída então por uma postura de agente constituinte do objeto artístico. Falo aqui destacadamente de Hélio Oiticica e Lygia Clark.

 

Retornando a Käthe Kollwitt e o contexto da época da exposição no CAM, Pedrosa percebeu que o movimento nazista de considerar toda arte moderna como “arte degenerada” por não atender ao ideal de beleza clássico e naturalista, repunha o mesmo movimento stalinista de condenação da arte de vanguarda, impondo no seu lugar o Realismo Socialista. Em sua conferência, Pedrosa insiste que a arte de Kollwitz é exemplar por não se prestar a nenhum tipo de doutrinarismo. A artista não ilustrava ou atendia a ideais programáticos, mas por outro lado, não se omitia de um posicionamento político num momento de tamanha tenção. Para isso sua obra partia do ponto de vista do proletariado e sua técnica rompia com purismos fazendo experimentações que resultassem em melhores condições para expressar sua intenção.

Mãe com seu Filho Morto – Käthe Kollwitt – 1903.

Marcos Fabris, crítico de arte, membro da ABCA/SP, cita em artigo publicado no site da associação o seguinte pensamento: “Pela pena de Mário Pedrosa, Käthe Kollwitz nos ensina que tanto o artista quanto o crítico devem atentar para o termo “político”, que não significa a sujeição da arte e da crítica às exigências extra-estéticas do engajamento, muito menos aos imperativos doutrinários da mera ilustração ideológica. Criticar politicamente é opinar sem reservas no horizonte de uma ordem social antagônica e compartimentada. Também aprendemos a conceber o “social” na arte como resultado do poder comunicativo da forma, que ao se destacar e se contrapor à realidade, a submete a uma perspectiva imprevista graças à qual um novo mundo parece ser antevisto no âmago da percepção estética. Deve-se, assim, pensar a arte e o desenvolvimento das forças produtivas sem dissociá-los.”

 

Novamente nos encontramos em um momento crítico, de ameaça à democracia, de rompantes autoritários. Estamos imersos num estado de medo constante, a linguagem está em vertigem e o sentido se perdeu. O grotesco é agora gerador de visualizações e ser visualizado através das redes se tornou o parâmetro de existência. Não é o conteúdo do texto ou da fala o que importa, é o número de visualizações atingidas que legitimará até o discurso mais nefasto.

Este é um dos momentos em que arte e política vão ter que andar juntos.

Fonte:

Enciclopédia Itaú Cultural

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa445/mario-pedrosa

ABCAhttp://abca.art.br/httpdocs/arte-e-critica-de-arte-contra-o-nazi-fascismo-marcos-fabris/