O BIOMA PAMPA

O Pampa habita minha memória de infância desde nossas férias de verão quando íamos os quatro, pai, mãe, meu irmão e eu, ao encontro dos avós paternos em Santa Vitória do Palmar e de lá rumo à praia onde permanecíamos até dois meses nas areias brancas do balneário As Maravilhas. Estas memórias foram marcantes a ponto de resultarem num projeto realizado em parceria com meu irmão Renato e pelo qual recebemos um prêmio da FUNARTE em 2015 – Maravilhas Histórias e Memórias Afetivas.

Esta região na qual se davam nossas aventuras de verão, faz parte do Bioma Pampa que corresponde a 63% do território do Rio Grande do Sul e foi reconhecido oficialmente pelo governo federal em 2004. Toda esta paisagem constituída de planícies, serras e coxilhas, coberta por gramíneas e arbustos, formada por uma biodiversidade com cerca de 3 mil espécies de plantas, 500 espécies de aves e também animais terrestres, está ameaçada pela monocultura da soja e por diversos projetos de mineração. Segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgado em junho de 2019, 43,7% da vegetação nativa já haviam sido suprimidos até 2016. Outro dado preocupante é relativo às queimadas na região: o Inpe registrou aumento de 343% no número de ocorrências no primeiro semestre de 2020, em relação ao mesmo período no ano anterior. Toda a lida campeira e o modo de vida dos pequenos pecuaristas, agricultores familiares, quilombolas e demais comunidades da região, que começam a ser reconhecidos como comunidades tradicionais do país, encontram-se igualmente ameaçados. E não podemos esquecer que no bioma, também está o Aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo.

As ameaças a região se dão pela expansão da monocultura e pelos projetos de mineração. A monocultura de soja substitui a criação de gado pelo plantio de grandes extensões de terra, afetando a biodiversidade e alterando a lida tradicional do homem do campo que está à frente da preservação desta biodiversidade.

Dos projetos de mineração saliento três, um na região de Três Estradas, a 400 quilômetros de Porto Alegre, área rural de Lavras do Sul e Dom Pedrito, com a exploração de fosfato pela empresa Águia Fertilizantes, subsidiária do grupo de mineração australiano Aguia Resources, controlada por capital estrangeiro e ligada ao grupo Forbes & Manhattan. Este projeto está inserido no crescimento do agronegócio uma vez que o fosfato será utilizado na fabricação dos fertilizantes. Outro é a Mina Guaíba, da empresa Copelmi que pretende extrair carvão na região metropolitana de Porto Alegre e a multinacional do Grupo Votorantim, que planeja a construção de uma mineradora de zinco, chumbo e cobre em Caçapava do Sul.  

O caso de Três Estradas ilustra bem os processos que envolvem tais projetos. Por um lado os ambientalistas apresentam os riscos ao meio ambiente que são melhor compreendidos pelos moradores do meio rural, por outro lado a empresa apresenta os supostos benefícios que envolvem empregos temporários e melhorias para a cidade que são muito bem aceitos pelo meio urbano.

A região influenciada pelo projeto Fosfato Três Estradas fica na cabeceira dos rios Camaquã e Santa Maria, bacias hidrográficas que compreendem 33 municípios, além de comunidades rurais e quilombolas. O Relatório de Impacto Ambiental, emitido pela própria empresa, da conta de que a terraplanagem para construção de prédios e estruturas poderá causar assoreamento de cursos d’agua e que é esperada interferência em nascentes além do desaparecimento de 20 rios e riachos. As águas subterrâneas também serão atingidas, as características químicas da água podem ser alteradas por depósito de líquidos oleosos ou materiais sólidos. Conforme os críticos do projeto, a empresa, no estudo (RIMA), só apresenta como solução, projetos para prevenir, controlar e compensar tais impactos, sem definir tais projetos.

Conforme o site do Projeto Colabora (projeto jornalístico que aposta numa visão de sustentabilidade) as duas barragens de rejeitos previstas deverão ocupar área de 194 hectares, com 1.057m de extensão e capacidade para cerca de 23 milhões de metros cúbicos, o dobro do volume de rejeito que vazou em Brumadinho e que sabemos bem a forma como está sendo tratado.

Como benefícios à região, a mineradora prevê 900 vagas temporárias de emprego direto e indireto na fase de implantação do projeto, não havendo informação sobre o número de vagas na fase de operação. Conforme o site da Fosfato Três Estradas o empreendimento tem por objetivo o crescimento de Lavaras do Sul e região, atraindo novos negócios e investimentos, ativando a cadeia produtiva, impulsionando obras de infraestrutura, possibilitando aumento de serviços e força ao comércio. “Uma nova energia injetada na economia da região promovendo, também, crescimento humano e melhor qualidade de vida”. Como estratégia de aproximação a empresa, a partir da sede erguida na cidade, passou a fazer centenas de ações periódicas de marketing, a patrocinar eventos, distribuir brindes e criou um jogo sobre mineração para as crianças. Como resultado a instalação da mineradora é celebrada de forma praticamente unânime pelos habitantes do meio urbano.

O importante é que, conforme o professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gerhard Overbeck, “não temos, atualmente, as técnicas para recuperação dos ecossistemas, ou seja, após o final da atividade de mineração não é mais possível recuperar o ecossistema perdido”.

A preocupação com o Bioma Pampa vem de diversas entidades e associações. Só o Comitê de Combate à Megamineração do RS envolve 104 destas entidades. As universidades também estão preocupadas com o Pampa, como é o caso da UFPEL que dá o suporte técnico-científico para a criação da Unidade de Conservação Pontal da Barra que envolve a praia do Laranjal em Pelotas. Cito também o Fórum em Defesa da Democracia Ambiental que visa garantir uma maior participação da sociedade civil na construção e execução das políticas públicas socioambientais além de veículos de comunicação como Portal Ambiente Legal, Projeto Colabora e tantos outros.

Na arte o homem do campo e as paisagens do pampa foram e continuam sendo tema para muitos artistas. Assim foi para Nelson Jungbluth, Danúbio Gonçalves, Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues, Carlos Scliar só para citar uns poucos nomes.

Aqui em São Leopoldo a artista Lurdi Blauth dedicou uma de suas séries de gravuras ao tema Bioma Pampa.

Lurdi Blauth

E a série “Taim e a Lagoa do Peixe”

Lurdi Blauth é artista plástica, pesquisadora, professora na Universidade Feevale em Novo Hamburgo, RS. É Doutora em Artes Visuais pela UFRGS/RS e com  Doutorado sanduíche na Université Paris 1, Panthéon Sorbonne. Associada à ANPAP – Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas e membro do Conseil National Français des Arts Plastiques – CNFAP.

Estudou pintura com Iberê Camargo, gravura com Vera Chaves Barcelos, Maria Conceição Menegassi, Matilde Carmen Marin, Andrea Juan, Raul Osvaldo Jalil, Torben Bo Halbirk, Marco Buti e Sheila Goloborotko.

O currículo de exposições de Lurdi é vasto. No Rio Grande do Sul expos nos espaços mais prestigiados como MARGS (Museu de Arte do RGS), Museu de Arte Contemporânea,  Casa de Cultura Mário Quintana,  Paço Municipal,  Fundação Chaves Barcelos, entre tantas outras mostras. Em Santa Catarina expos no Museu de Arte de Joinvile, na Universidade Federal de Florianópolis e no Museu Victor Meirelles. Da mesma forma no exterior não são poucos os países que tiveram a obra de Lurdi em suas mostras dedicadas a gravura. Portugal, Canadá, Espanha, França, Argentina, Alemanha, Porto Rico, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Israel, recebendo os prêmios 5th Enter Into Art, (PRÊMIO: Jury’s Excellence), Colonia, Alemanha; Exposição Internacional de Mini Print, Cantabria, Espanha (3º PRÊMIO) além de outras premiações aqui no Brasil.

Lurdi divide seu trabalho por séries que podem ser vistas no site da artista. As mais diversas temáticas servem como mote para ressaltar aspectos de luz e sombra importantes para matrizes de metal, madeira (xilogravura) ou meios de litografia alternativos (polyester, offset) que são realizados através de procedimentos tradicionais e processos híbridos. A fotografia digital é associada a gravação de matrizes, a impressão, a digitalização e a reimpressão de imagens sobre diferentes suportes. No trânsito entre os diferentes meios o acaso, a perda e a permanência são incorporados ao processo de criação. “Percebo que, a fotografia, cada vez mais, faz parte de minha produção artística, pois seus procedimentos permitem acionar esse recurso indicial para capturar imagens, tornando permanentes certos instantes efêmeros”, diz Lurdi em um de seus textos.

No site, a apresentação da série TAIM E A LAGOA DO PEIXE é descrita da seguinte maneira: ‘Os trabalhos que compõem estas duas séries, são imagens captadas por meio de fotografias realizadas durante minhas viagens por áreas de preservação ambiental, como a estação ecológica do Taim e a Lagoa do Peixe, da região sul do Brasil. Nestes lugares é possível encontrar diversas espécies de aves silvestres migratórias, oriundas de diferentes regiões e países, além de répteis e mamíferos. As imagens destes trabalhos procuram por meio do gesto de gravar, evidenciar uma certa permanência de um momento efêmero, do pouso de uma ave de rapina, de emas pastando nas vegetações rasteiras ou mesmo, nas imensas revoadas dos pássaros anús.”

Os trabalhos e textos de Lurdi Blaut podem ser conferidos  em www.lurdiblauth.com.br