Violência contra a mulher na pandemia

Por Rosana Almendares

 

– Conforme estudo divulgado no mês de abril pela ONU, uma em cada três mulheres já sofreu violência física e/ou sexual.

– O secretário-geral da ONU, António Guterres, sugeriu que o crescimento do medo e de tensões econômicas e sociais podem estimular agressões contra mulheres e crianças que em confinamento encontram-se vulneráveis, visto que é em casa onde eles mais correm risco de vida.

– Pelos números apontados por diversos países e também estados brasileiros, como São Paulo, os assassinatos de mulheres dobraram durante a pandemia e o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 estados do país.

Assim são os informes de agressão contra as mulheres que nos deixam perplexos e que no caso do Brasil só se tornaram mensuráveis a partir da Lei Maria da Penha, a qual permitiu que se tivesse os dados da violência, mas estes são referentes às mulheres que fazem a denúncia, seguramente os números são ainda maiores.

A professora do Departamento de Ciência Política da UFMG (DCP) Marlise Matos, diz numa entrevista que a estrutura social, machista e patriarcal, contribui para o aumento da violência neste momento. Conforme a professora o grande dilema é que antes da pandemia já se trabalhava com indicadores de agressão em patamares estratosféricos, o que a pandemia só intensificou.

Essa realidade se dá numa sociedade onde, sob a perspectiva da história, recentemente a mulher teve o direito de votar, afinal 1932 está ali atrás, onde a propaganda e as revistas femininas mostravam até pouco tempo, a mulher dentro de casa cuidando do lar e dos filhos e sua imagem era usada para vender eletrodomésticos, isso no caso das recatadas, já que as “desavergonhadas” serviam para apresentar o Brasil como paraíso do turismo sexual. A mulher é moldada desde a infância como um objeto e criada para servir, e quando suas atitudes não correspondem ao esperado e desejado se justifica, ainda hoje, a violência contra ela. Se apanhou, o que ela fez para merecer? Se foi atacada à noite, o que estava fazendo a tal hora fora de casa? Se foi violentada, porque estava usando tal roupa provocante? Um homem que sai à noite pode ter receio de ser assaltado, mas jamais terá medo de ser estuprado. Não passa pela cabeça de um homem que pega um taxi sozinho que o motorista possa desviar da rota e violentá-lo, mas esses são medos frequentes das mulheres. Nossa sociedade só vai se libertar destas mazelas quando meninas e meninos tomarem consciência do que lhes ocorre e se tornem adultos melhores dos que os antecederam, neste sentido escolas que abordam o tema da igualdade de gêneros, abordam o racismo, falam de desigualdade de oportunidades não são escolas com partido, são escolas que buscam formar um ser humano mais digno.

Se antes da pandemia delatar a agressão já envolvia dificuldades, seja por vergonha ou sentimento de culpa, agora durante a quarentena ficou mais difícil, tanto pela maior vigilância por parte dos agressores em confinamento, tanto pelo fato de que os serviços públicos de enfrentamento à violência contra as mulheres tiveram de se adaptar ao novo contexto. A recomendação é:

Em casos de violência contra a mulher, qualquer pessoa pode e deve denunciar. Além do número 180, também é possível fazer a denúncia, de forma anônima, pelo 190, da Polícia Militar.

Entrevista

Maria Aparecida da Silveira Brígido*
Psicóloga Psicanalista

Por Rosana Almendares

Amores perto demais, amores longe demais

A psicóloga e psicanalista Maria Aparecida nos traz uma abordagem instigante sobre esse período de quarentena a que estamos submetidos. Precisamos nos cuidar, é fato, diz ela. Precisamos nos confinar. O que acontece então com os amores perto demais no caso das pessoas que, podendo ficar em casa, trabalhar em casa, estão vinte e quatro horas por dia juntas? E o que acontece em relação aos amores longe demais, aqueles que gostaríamos de estar convivendo e nos vemos impedidos de aproximação?

Maria Aparecida –  O Covid-19 nos colocou diante de uma pandemia que há pouco tempo atrás seria inimaginável. Mesmo quando começavam a chegar as notícias do exterior muitos relutavam em acreditar que poderíamos ser atingidos, só que chegou até nós e hoje, aqui no Brasil, ultrapassamos a marca dos 100.000 mortos. Estamos diante de algo invisível que nos faz sair às ruas de máscara, munidos de álcool gel e alterando hábitos num ritual exaustivo de higiene antes tidos como exagerados, pois agora tudo que se toca pode estar contaminado pelo coronavírus e todos somos vetores de transmissão, uma vez que podemos estar assintomáticos e mesmo assim transmitindo o vírus.

Passados, no mínimo, quatro meses em quarentena, as pessoas estão diante do desafio de uma reinvenção da sua vida “entre quatro paredes”. Mesmo que a convivência se dê entre amores, e aí pode ser o parceiro ou parceira, pai, mãe, filho, filha, enfim, alguém com quem a pessoa se relacione amorosamente, a sensação de falta de espaço e de privacidade é inevitável. A proximidade é muito grande. Não se trata mais de um final de semana, agora são todos os dias, todas as semanas e nestas condições o espaço particular fica comprometido. Na normalidade quando as pessoas saem pela manhã para seu trabalho, quando muito, almoçam juntas e só a noite tornam a se encontrar, criam-se espaços de privacidade, seja para os que saem, seja para os que eventualmente ficam em casa. No confinamento, mesmo sendo amores, perto demais, a falta de privacidade se revela. Existe o excesso de presença que gera conflitos, torna exacerbada a característica de cada um, aumentam as diferenças, existe uma dificuldade em relação ao que é particular. As pessoas se sentem invadidas, fica difícil para os envolvidos se suportarem. E infelizmente, este cenário, em muitos casos pode torna-se um agravante para a violência contra a mulher, e contra menores, triste realidade de nosso país.

Outra questão é a solidão dos amores longe demais. O distanciamento de filhos que moram longe dos pais, que muitas vezes, com mais idade, não compreendem a gravidade do momento. Saudade que os pais sentem dos filhos e que os avós sentem do abraço dos netos e os netos, por sua vez, do carinho dos avós que não é suprido pelos encontros on-line. Da mesma forma os jovens afastados de seus amigos, muitas vezes amigos de infância acostumados a uma rotina de encontros formadores de seu desenvolvimento, agora se veem impedidos de ter o espaço de trocas, de conversas e da intimidade de amigos que é diferente da intimidade familiar.

Refletindo sobre tudo isso percebi que uma das principais questões que atravessa a pandemia é a da perda. São diversas perdas. A perda do trabalho, a perda da privacidade e o consequente impacto sobre a autonomia de cada um. A perda de tempo de convívio, o fantasma da perda de tempo de vida que agora se mostra ameaçada ou ainda as perdas por mortes que cada vez se aproximam mais.

Diante disso tudo como resolver as situações impostas? Onde buscar o componente criatividade para tentar soluções?

A resposta está em cada pessoa e em relação a sua própria vida. Não existe uma solução geral, é necessário resgatar o potencial de criatividade de cada um para encontrar soluções próprias.

Por exemplo, uma das queixas recorrentes que se sabe é a de que todos os dias são iguais a ponto de as pessoas não saberem que dia é hoje. Diferenciar os dias torna-se possível com o resgate da sua criatividade. O convite do brincar e do criar se faz necessário tanto para os amores presentes como para os amores distantes e a criatividade é singular. Cada um deve buscar, dentro da sua realidade, um convite para brincar.

Outro aprendizado que a pandemia pode nos trazer é o resgate da reflexão sobre si mesmo. A reflexão sobre o que não se fez e poderia ter sido feito. Sobre o que pode ser feito agora, quem sabe, com menor velocidade afim de que se disfrute melhor cada momento. Repensar, correr menos, aproveitar mais.

Precisamos ter em mente que no futuro se resgata um passado bom e devemos buscar os recursos próprios para fazer do momento atual algo que possa ser muito bom para o futuro.

*Maria Aparecida da Silveira Brígido

Psicóloga – Psicanalista – Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra – Portugal e pela Universidade de São Paulo – USP – Brasil (diploma reconhecido; Supervisora e coordenadora de seminários do Espaço Criar – Canoas – RS; Membro do Círculo Fenomenológico da Vida e da Clínica – USP- São Paulo; Pesquisadora Grupo de Pesquisa Aconselhamento Psicologia Pastoral e Grupo de Pesquisa Fenomenologia da Vida nas Faculdades EST – Brasil; Presidente do Conselho da Sociedade de Psicologia Rio Grande do Sul (2020-2021) – Brasil; Editora do Periódico Pensamento Contemporâneo Psicanálise e Transdisciplinaridade – CIPT – Porto Alegre; Coordenadora Projeto Bacharelado em Psicologia Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – Brasil.