“EU TENHO MEDO!”

Uma análise do discurso da direita.

 

Por Rosana em conversa com Renato Almendares.

 

 Regina Duarte, a namoradinha do Brasil, agora ex-secretária da cultura, disse em 2002: “eu tenho medo”. A afirmação se deu num vídeo de apoio a José Serra que disputava com Lula da silva o pleito naquele ano. A vitória veio para Lula e todas as previsões catastrófica de Regina Duarte não aconteceram, pelo contrário, os dados econômicos daquele período aparecem com curvas ascendentes e positivas, mas ela continuou com medo.

Então onde reside tal medo?

Quem sabe grande parte deste temor se assente na palavra LIBERDADE.

Vejamos então, afim de nos localizarmos, o sentido desta palavra a partir de alguns pensadores. Para Espinoza (1632-1677), a palavra está diretamente ligada à ideia de responsabilidade. Ser livre implica em assumir o conjunto de nossos atos e responder por eles. Sartre (1905-1980), nos traz a angústia do homem diante do fato dele estar condenado a fazer escolhas enquanto livre. Esta angústia leva muitos a se isentarem de tais escolhas seguindo cegamente religiões ou ideologias, transferindo assim a responsabilidade. No sentido inverso à liberdade Étienne de La Boétie (1530-1563) no seu Discurso 

da Servidão Voluntária demonstra que a submissão ou até o desejo pela condição voluntária de servidão, pode estar ancorado no hábito, ou seja, pessoas que não têm lembrança alguma do estado de liberdade; na covardia quando o súdito fica tão inebriado pelo teatro, jogos e farsas promovidas pelo tirano que perde qualquer força e energia de reação; e na estrutura hierárquica e burocrática, onde uns poucos mais próximos do poder possuem abaixo de si algumas centenas de subalternos, que por sua vez possuem alguns milhares a serviço e todos se sentem protegidos por pertencerem a esta estrutura. La Boétie nos lembra que um tirano não tem amigos e que ele será destruído no momento em que o país se recusar a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Por fim Mikhail Bakunin (1814-1876) não nos deixa esquecer que a condição de liberdade é eminentemente social, ela só pode ser concretizada em sociedade, pois corresponde ao pleno desenvolvimento de todas as faculdade e poderes de cada ser humano pela educação, pelo treinamento científico e prosperidade material.

Como secretária da cultura Regina Duarte estava no papel de defender a liberdade, mas que liberdade é essa defendida por ela?

O que vemos claramente em tempos de neoliberalismo é que a extrema direita cultua a liberdade do mercado, a ideia dos fortes vencendo os mais fracos, a liberdade de contratos de trabalhos sem regras, a liberdade para oprimir, enfim, liberdade para atender interesses inconfessáveis.

 O fato da cultura e da arte não terem interesses pré-definidos às transforma em alvo direto de regimes fascistas. A arte enquanto um meio que visa um fim pode até interessar, mas a arte enquanto um fim em si mesma é subversiva justo por não ter compromisso com nada. Não tendo compromisso com nada está livre para denunciar a falsidade dos discursos contraditórios.

 A arte é o campo fértil da imaginação e Adorno (1903-1969) nos diz que o ser humano só faz aquilo que é capaz de imaginar e o campo da cultura e da arte são os espaços de fomento de outros futuros possíveis. Bem por isso países desenvolvidos incentivam e dão suporte financeiro aos artistas, ao contrário das ditaduras onde a cultura e a arte passam a ser seu primeiro alvo. O opressor precisa calar o povo para continuar oprimindo. Calar os artistas significa matar a subjetividade da nação, significa acabar com a possibilidade de imaginar e realizar um futuro melhor.

O medo do opressor tem nome, chama-se LIBERDADE.

Entrevista
Claudia Severo

 

Com formação em Jornalismo na UNISINOS-RS e Artes Cênicas na UNIRIO-RJ Claudia Severo hoje dedica-se, entre tantas outras atividades, à sua Pós-Graduação na Faculdade Angel Vianna no Rio de Janeiro. Com uma vida dedicada ao teatro a atriz realizou suas primeiras atuações em Brasília com o espetáculo Último Rango e Circo Udigrudi, além de participações com o Grupo Liga Tripa. Retornando a São Leopoldo intensifica sua trajetória artística e funda em 1987 o grupo “Teatro Corpos & Sombras”. Lecionou teatro em diversas escolas e através da oficina “Será que eu levo jeito pra isso?” incentivou o fazer artístico e revelou novos talentos. Em reconhecimento a sua atuação em prol da Arte e Cultura Leopoldense, a Câmara Municipal lhe homenageia em sessão solene no ano de 1994 e convida a representar o Poder Legislativo no conselho Municipal de Cultura (regulamentado em 1996), passando a integrar a diretoria do mesmo.

Em busca de aperfeiçoamento partiu para o Rio de Janeiro e voltou às atividades acadêmicas cursando teatro na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Além da universidade fez vários cursos e oficinas de Corpo e Movimento, Expressão Corporal, Teatro de Rua, Teatro Ritual, Palhaçaria, e Técnicas Circenses, com profissionais renomados nacionalmente e internacionalmente.

Claudia pesquisa e investiga dentro das artes da cena. Da linguagem do palhaço nasceu o Pirulito Cartola, que já esteve em atuação em vários eventos pelo Brasil e atualmente no espetáculo CIRCOCICLETA. Investiga também o trapézio fixo e a corporeidade do atuador na poesia do espaço, tendo como inspiração a dimensão poética Artaudiana, a expressão corporal proposta por Klauss Vianna, a dança-teatro de Pina Bausch, o teatro de Grotowski e a antropologia teatral de Eugênio Barba.

Quando perguntada sobre como está sendo este período sob a pandemia do Covid-19, Claudia responde:

Tão fácil é a nossa alegria se desvanecer nestes tempos onde não podemos ir à rua ocupar os espaços públicos, já que, Ocupação Cultural, é um conceito que norteia o trabalho do grupo Corpos & Sombras, que nestes 33 anos faz parte da minha trajetória artística. Uma vida, dedicada ao teatro, posteriormente ao circo, a dança e nos últimos 11 anos à Arte de Rua!

 

Eu pessoalmente, escolhi a Rua como forma de expressão. Não escolhi como forma de ganhar dinheiro ou pensando virar celebridade, menos ainda por seguir modismo da nova tendência estética contemporânea. Para mim, levar a arte para a rua, não faz parte de um projeto espetacular somente, mas um projeto de vida. Este é o princípio fundante de minha missão como artista.

 

Nesse momento está sendo uma luta diária me manter viva. Não estou aqui falando de todas as dificuldades que os tempos de isolamento social me impõe, onde apresentações, oficinas, ocupação e todos os projetos foram e estão sendo cancelados. Também não falo pelas contas que chegam, pela comida que acaba, por pertencer ao grupo de risco ou pela insegurança de não vislumbrar a luz no “fim do túnel”. Esse inimigo invisível me tira o direito de exercer o que mais amo fazer: estar ali frente a frente, olho no olho com o público. É disso que falo. Desse contato através da arte que me afeta ao afetar o público. Daquele sorriso, daquele olhar, daquele abraço, daquele carinho no final do espetáculo, daquele agradecimento por eu existir como artista. Para mim essa tem sido a maior dificuldade: não poder ter com o público, essa troca viva de afetos, encontro e celebração da vida! Falo, de uma linguagem que tem sua singularidade, sua estética própria, que não é inferior nem superior a outro tipo de poética artística. Falo da especificidade, desse campo de possibilidades, pluralidades, territorialidades da liberdade de expressão, da ruptura momentânea de condutas rotineiras do espaço urbano, as quais são de tamanha relevância para nós artistas de Rua.

Nesse momento tudo parece se esvair ao vento…

Mundialmente o Covid-19 está causando impactos avassaladores na economia, impactos esses, que todo segmento cultural está enfrentando, em especial no nosso país. Como consequência, alternativas para driblar essa pandemia devem ser pensadas. Nesse sentido Claudia integra o Comitê Emergencial pela Cultura de São Leopoldo,  grupo que reúne representantes de várias linguagens e expressões artísticas (música, dança, literatura, teatro, circo, design, artes visuais, audiovisual), além de técnicos e membros do Conselho Municipal de Políticas Culturais, que lutam por medidas emergenciais ao setor cultural, em face das medidas adotadas para restringir o contágio pela Covid-19. Essas medidas, necessárias, atingiram fortemente o setor com o cancelamento de apresentações artísticas e o fechamento de espaços culturais públicos e privados. Lutam, também, pela aprovação da lei 1075 – Aldir Blanc aprovada na Câmara Federal e no Senado e que, até a data deste depoimento, aguardava ser sancionada pelo presidente.

 

LEI DE EMERGÊNCIA CULTURAL ALDIR BLANC – Lei 1075

-Dispõe sobre ações emergenciais destinada ao setor Cultural. Foi aprovada pelo Congresso Nacional e pelo Senado Federal.

– Esta verba pertence a Cultura. Nenhum valor será tirado de outros setores, será apenas encaminhada ao seu destino por direito.

– O Setor Cultural, também movimenta a economia Brasileira e os trabalhadores da Cultura e participantes da cadeia produtiva artístico cultural merecem todo o respeito e serem amparados, nesse momento de impossibilidade de manter o seu ofício de forma presencial.