Aqueles que mentem não fazem

o que manda o coração

 

Era uma sexta-feira 13 e eu percorria os corredores do supermercado entre prateleiras abarrotadas de mercadorias. Nós os consumidores em pleno ritual semanal, andávamos sem pressa, nos cumprimentávamos sem prestar atenção na distância que nos separava, sem observar se os funcionários estavam protegidos ou se o carrinho de compras estava limpo o suficiente. De uma hora para outra fui assombrada pela imagem de um filme distópico qualquer e me perguntei como estariam aqueles corredores dali há alguns meses já que as notícias da velocidade com que o coronavirus se alastrava eram aterrorizantes e as imagens das cidades vazias pelo mundo nos enchiam de temor.

Alguém já disse: é na crise que conhecemos as pessoas, é nela que o caráter se revela. Pois nestes dias estamos vendo isso. Diante da necessidade de quarentena e da inevitável crise econômica que já está assolando grande parte da população, rapidamente começam a ser organizados grupos de apoio como os que estão ajudando a comunidade indígena Por Fi localizada em São Leopoldo ou o MST  doando toneladas de arroz e  transformando álcool 46% em 70%  para distribuição nos centros de saúde.  Outros tantos grupos espalhados por todo o país focando no auxilio aos mais velhos, aos moradores de rua, ajudando os caminhoneiros com alimentação durante seu trajeto. Grupos virtuais de apoio para aqueles que não estão conseguindo pagar suas contas além das mensagens de agradecimento aos profissionais que mantém os serviços essenciais. São muitas as demonstrações de solidariedade.

Por outro lado, vemos aqueles que fazem estoque de produtos sem pensar que outras pessoas vão ficar sem as mercadorias. Vemos seres inescrupulosos comercializando álcool gel a valores exorbitantes ou extorquindo dinheiro sob pretexto de ajuda ou ainda carreatas de carros de luxo apoiando a abertura do comércio sendo que seus ocupantes jamais necessitarão usar o transporte público. Vemos um governo que despreza a vida e governa para o mercado financeiro e para os interesses externos.

O momento é terrível. É certo que teremos no mundo todo o caos econômico. A esperança é que possamos sair disso tudo renovados, que as coisas não voltem a ser como eram antes como muitos querem, porque o que antes havia provou não ser o ideal.

Citando meu irmão, Renato Almendares:

Aqueles que mentem, aqueles que colocam o interesse como ponto de partida e de chegada de suas teses, não fazem o que manda o coração, pois mentem até para seu próprio coração.

MUSEU DO TREM

ALICE BEMVENUTI VOLTA A DIRIGIR O MUSEU DO TREM DE SÃO LEOPOLDO.

 

A estação ferroviária de São Leopoldo foi a primeira do estado e sua construção data de 1874, mas o início desta história é o ano de 1871 quando iniciam as obras da rota entre nossa cidade e Porto Alegre, na época capital da província. Já o museu foi criado em 1976 sob responsabilidade da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima e do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, permanecendo assim até 1980 quando foi fechado. Em 1982 a RFFSA retoma o museu e por meio do Programa de Preservação do Patrimônio Histórico (PRESERVE) através do Ministério dos Transportes  reconstrói o prédio centenário que passa a abrigar o Centro de Preservação da História Ferroviária do Rio Grande do Sul. A instituição volta a ser fechada em 1989, mas neste período teve, por parte do IPHAE, o tombamento do que foi definido como Sítio Histórico. Em 1991 foi firmado o comodato entre RFFSA e Prefeitura Municipal de São Leopoldo, que passa a ser a responsável por esse importante acervo.

A partir deste resumido apanhado histórico podemos perceber a responsabilidade de todos que já estiveram à frente da gestão do museu, que devido a especificidade do acervo requer o relacionamento com o governo federal (IPHAN), o governo estadual (IPHAE) e o municipal, além de uma gestão que contemple eficiência e compreensão das novas questões que envolvem o campo da museologia e das especifidades do patrimônio industrial ferroviário.

Alice Bemvenuti assume pela segunda vez esta função e traz consigo um conhecimento de causa invejável. Já contam nove universidades através das quais vem aprofundando sua trajetória como pesquisadora de forma interdisciplinar, abrangendo arte, educação e museologia.

Quando perguntada sobre sua formação Alice prefere falar sobre a compreensão de formação, ou seja, o porquê de ter feito as escolhas que fez e conclui que o processo se dá como um espelho onde ela vai atrás da formação para qualificar uma trilha na qual já vem caminhando.

Na graduação Alice já se depara com o que seria o embrião de seu interesse pelos museus e o entendimento do conceito de patrimônio. Seu olhar sempre esteve voltado às ruas, às pessoas e suas atividades, mas o estudo deste contexto não encontrava espaço dentro da sala de aula e Alice queria saber o porquê. Quando passou a dar aulas seu desejo era o de estar com seus alunos no museu e novas questões surgiam referentes às dificuldades de acesso. Posteriormente dando aulas na faculdade, formando novos professores, ela constata a mesma falta de hábito de ir ao museu de seus alunos anteriores e o desconhecimento do entorno, quais são os fazeres das pessoas que habitam aquele lugar e percebe que sem esse entendimento não há compreensão do que seja patrimônio e também do que seja o museu. Aí começa seu interesse em estudar a recepção de público, comunicação e a gestão destas instituições.

Nessa caminhada acadêmica constam além da graduação na FEEVALE, especializações na UNISINOS, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Instituto GEEMPA, Mestrado na UFRGS em História, Teoria e Crítica de Arte, e Museologia na USP. Hoje cursa o doutorado na PUC RS e é pesquisadora convidada pela UNESP, além de professora da ULBRA.

Foram muitas perguntas nesses anos de pesquisadora e no período anterior, 2009 a 2012, como gestora. Consequência disso são as parcerias firmadas com o sindicato dos ferroviários, os colecionadores, com pesquisadores de história das ferrovias e com ferroviários. Essas parcerias produziram uma série de iniciativas na busca de entendimento, por exemplo, do setor educativo, da pesquisa dentro do museu, do entendimento do lugar da história do museu, além da história da ferrovia e como organizar e disponibilizar esta história de maneira a não sofrer apagamentos futuros. Estas são questões de pesquisa que revertem em ações práticas e que se unem às demais demandas do dia a dia do museu. Receber o público, qualificar os estagiários para o recebimento deste público, integrar a pesquisa histórica e o trabalho técnico dos funcionários do museu com as necessidade da comunidade, desenvolver ações de divulgação do conteúdo existente no vasto acervo da instituição, pensar a expografia, promover o entendimento de que o museu é um campo interdisciplinar e bem por isso a importância de buscar estagiários vindos dos cursos de turismo, educação, antropologia e museologia, além das atividades de manutenção do espaço físico.

Nesse momento o esforço é o de reconhecer o que tem da estrutura de 2009, que são conquistas de qualidade e potencialidade. Seguir qualificando e intensificar a compreensão de museu para todos os públicos. Nas palavras de Alice a relação com a comunidade é fundamental e ela, como pesquisadora e gestora, se coloca no lugar de mediadora desta relação.